Na aula inicial aos meus alunos do ensino superior costumo comparar os desafios que eles enfrentam com os que eu próprio enfrentei quando estava na faculdade. Há 30 anos, quem tivesse a felicidade de ingressar na Faculdade de Ciências do Desporto da Universidade do Porto sabia que, no final, ia ter um trabalho à sua espera. Podia ser na área do treino desportivo, da recreação, da gestão ou do ensino. Mas ia ter. Na verdade, havia tanto mercado de trabalho que facilmente se acumulavam umas aulas na escola com outras num ginásio ou num clube. Quem nos procurava não olhava para classificações, médias nem para a nossa experiência anterior…
Hoje já não é assim, particularmente no desporto, pois com a quantidade de escolas que formam centenas de profissionais todos os anos, o mercado de trabalho tornou-se bastante mais competitivo e só vai absorver os alunos que se diferenciarem dos demais. Terminar uma licenciatura com média de 12 valores ou de 19 valores não é a mesma coisa. Ter competências sociais, dominar idiomas, ter-se internacionalizado ao abrigo de programas Erasmus ou similares, ou ainda ter-se envolvido em ações de voluntariado, são tudo valências que podem ser a diferença entre ter, ou não ter, uma oportunidade de trabalhar na sua área de sonho (e de formação).
E no basquetebol? A tendência parece ser exatamente a mesma. De que serve ter-me transferido para um clube com melhores condições de treino se depois não me consigo diferenciar? E como é que consigo? Bem, tudo começa com duas preocupações básicas, que estão um pouco, digamos, “fora de moda”, mas que são absolutamente essenciais: compromisso e responsabilidade. A propósito, um dia destes, em conversa com um colega coordenador técnico num clube, este mostrou-se contente por ter sido avisado de véspera que um treinador não ia comparecer a uma atividade com a qual se tinha comprometido. Eu mostrei-me incrédulo… então há um mês que dizia que ia e foi preciso chegar à véspera para se desmarcar? E ainda agradeces? O meu colega foi perentório: fico contente porque o normal, hoje em dia, era ele não aparecer, não avisar nem tão pouco justificar-se.
Um (re)começo de ano letivo, e/ou de época desportiva, é também o momento de recalendarizar a semana. Conciliar a prática desportiva competitiva com um horário escolar bastante sobrecarregado é, por si só, um enorme desafio. Acresce que muitos pais desejam uma formação multidimensional dos seus filhos, o que inclui uma atividade de expressão (como a dança ou teatro), a iniciação de um instrumento musical, a aprendizagem de um idioma, a adaptação ao meio aquático, e por aí fora… Depois há que contar com os (malditos) trabalhos de casa, os testes que vão obrigar a horas específicas de estudo, ou as inevitáveis explicações. Entretanto há toda uma logística de transportes, mochilas, equipamentos e lanches para as aulas, ensaios, treinos, jogos, festas, espetáculos, enfim… Onde é que se vai encaixar o jantar de aniversário da tia ou o fim de semana em família na Serra da Estrela? Já para não falar do tempo livre – isso, livre – para brincar e ser criança, adolescente ou jovem, porque o tempo dessa liberdade está completamente fora de equação… é que o dia só tem 24 horas.
Fica a dica para que neste regresso, em família, se priorizem as atividades. É que é impossível o compromisso e a responsabilidade quando não temos estruturado o dia a dia de forma a conseguir conciliar diferentes tarefas. Para os pais, sejam claros com os vossos filhos, sem ceder a chantagens mas também sem usar as atividades extra-curriculares como prémio ou castigo para o desempenho escolar. Para os treinadores, sejam claros na gestão das expectativas e expliquem aos pais e aos filhos as implicações de faltar a uma sessão de treino ou a um jogo. Para os filhos, respeitem o esforço e a dedicação dos vossos pais, cumprindo com o que foi assumido em família. Experimentar diferentes clubes ou modalidades, numa fase inicial, até pode ser interessante. No entanto, desistir à primeira crítica ou contrariedade é um capricho que de formativo nada tem.
Boa época e bom ano letivo!